sábado, janeiro 26, 2008

BAPTISMO EM MOÇAMBIQUE - (Parte I)

Autor: “O Afilhado”


Nas frequentes reuniões de amigos sempre tive oportunidade de estar próximo de Ángel e questioná-lo sobre as suas experiências cinegéticas na África sub-equatorial. Adorava ouvi-lo contar as aventuras nas selvas, entre outras, da Tanzânia, da África do Sul, ou mesmo do Botswana. Assim cresceu o meu interesse para visitar África e conhecer a vida da savana.
Ángel Caçador de León, assim se chama o meu amigo, empenhado na organização de um safari em Moçambique, ofereceu-me a oportunidade de participar. Já com mais tempo livre, não pensei duas vezes.
Nos meses prévios li com redobrado interesse os livros que me emprestou: “Safaris Africanos” do comandante Andy Anderson e “Homem da Selva” do lorde Philip Pretorius, que relatam aventuras colectivas e caçadas individuais em finais do século dezanove e princípios do vinte.
Conheci José Román La Seca, JR para todos, durante os preparativos da viagem. Os bilhetes de avião, o visto nos passaportes, a contratação com a McDonald, proprietária da concessão de caça, as reuniões com José na Safari Headlands, foram alimentando a minha ilusão.
E, por fim, chegou o dia 6 de Setembro, data da partida.

Nessa manhã conheci Juan Catalán Doshijos. Fomos buscá-lo ao aeroporto. Vinha de Ibiza e a espingarda fora extraviada. Por fim, foi recuperada na intervenção de armas de Barajas.
Fizemos o voo num Airbus 340, da Iberia. Partimos às 00,30 horas, chegando a Joanesburgo por volta das 11. Dormimos durante grande parte do trajecto.
Na chegada, ninguém da McDonald se encontrava à nossa espera. Após o controlo nos serviços de emigração e de intervenção de armas, apresentámos as passagens e entrámos num pequeno avião bimotor de hélice, de 20 lugares, que em 40 minutos nos deixou na actual urbe de Polokwane, antigamente designada por Pietersburg. O previsto tinha sido concretizar este itinerário por estrada. Novamente realizámos todas as formalidades respeitantes às armas na intervenção da polícia, que nos pediu uma gorjeta para café.
Ali recolheu-nos, segundo creio, a esposa do proprietário da McDonald. Numa pequena furgoneta, levou-nos até ao acampamento, aonde dormimos nessa noite.
Ficámos hospedados numa cabana muito moderna e bem construída. Jantámos uma má lagosta no melhor restaurante da localidade. Antes acompanharam-nos a um bazar bem sortido de recordações africanas, aonde comprámos várias coisas para a família.
Quando nos metemos na cama, José enviou-me uma mensagem com a má notícia do empate a um com a Sérvia no Calderón, com golo de Kezman nos últimos minutos.
Às cinco horas da manhã soou o despertador e, após um café, iniciámos o trajecto em direcção ao aeroporto, aonde uma avioneta Barón 58, bimotor de 5 lugares, nos aguardava.
O aeroporto era um conjunto de três ou quatro edifícios pequenos, de um só piso, com as paredes pintadas de branco e as janelas e os telhados de azul. O edifício principal não teria mais de 150 m2, sendo praticamente só ocupado pelo pessoal de serviço. Na frontaria destacava-se a manga de vento que o identificava como aeroporto. A única aeronave presente era a nossa.
O piloto e Juan instalaram-se à frente, Ángel e JR na 2ª fila e eu fiquei no assento da cauda. À minha esquerda, e na traseira, levávamos os alimentos perecíveis (verduras, frutas, ovos, etc.) para o acampamento, acondicionados em bolsas de supermercado, para além das armas e das caixas de munições. No espaço saliente e disponível, em frente do piloto, acomodaram-se as bolsas de viagem.

Iniciámos então a viagem até Quelimane. Tivemos para mais de 3 horas e 20 minutos de voo, suportando um ruído que praticamente nos impediu de qualquer conversação.
O aeroporto de Quelimane era semelhante ao de Polokwane, embora com os avisos em português. Fizemos a apresentação dos passaportes e a comprovação das armas e, de seguida, regressámos à avioneta.
Através da janela observei entusiasmado o delta do Zambeze que, com seus 2700 km, é um dos maiores rios de África, logo atrás do Nilo. Vi-o majestoso, serpenteando até à sua desembocadura no Índico.


O último dos quatro voos não durou mais de 30 minutos, mas começaram umas desagradáveis turbulências e uma indisposição no início da boca do estômago foi evoluindo para uma estranha sensação de náusea. A pista de aterragem situava-se numa zona de savana com muita vegetação. Uma faixa de 20 metros de largura por não mais de 200 de comprimento tinha sido capinada.
A pronunciada inclinação da avioneta, em passagem obrigatória para afugentar os animais e assim evitar um acidente, agravou o meu estado de enjoo. A aterragem foi uma bênção.
Logo que em terra, vindo do acampamento, situado a uns 300 metros, chegou um Toyota, com três americanos, dois homens e uma mulher, que terminavam a sua aventura e regressavam na nossa avioneta. Vinham contentes e logo descolaram rumo a Quelimane e Polokwane para chegarem com luz.
O acampamento de Mahimba está a dois dias de caminho da cidade de Quelimane já que não existem pontes sobre importantes estuários do delta do Zambeze, sendo então necessário realizar um grande desvio. Perante qualquer urgência, estávamos assim isolados.



O complexo desenvolve-se em torno do refeitório/espaço de convívio, construído com o tecto arqueado de forma cónica tradicional africana, a partir de vigas de troncos de árvores e de folhas de palmeira. Lá estava a velha geleira que funcionava umas horas quando estava ligado o gerador eléctrico. Três cabanas, com um pequeno serviço, serviram de dormitório: uma ocupada pelo caçador profissional principal, com sua mulher, a segunda por mim e Juan e a terceira, mais próxima do refeitório, por Ángel e JR.
Por detrás situavam-se as outras dependências: cozinha, lavadouro, esfoladouro, assim como os alojamentos dos 16 naturais que lá trabalhavam.
Altas e velhas palmeiras rodeavam todo o acampamento.


No espaço exterior, frontal ao refeitório, acendia-se a fogueira e divisava-se uma esplêndida e extensa paisagem. Em frente havia uma depressão com cerca de 300 metros de extensão, semelhante à de um curso de rio seco. À direita lançavam os desperdícios intestinais dos animais caçados, de forma que era frequente ver bandos de abutres esperando pelo manjar.