Apesar da relativa proximidade a Quelimane, capital da Zambézia, recordo que as acessibilidades, assentes numa rede viária rudimentar e sujeita a forte instabilidade durante a época das chuvas, sempre constituíram um factor de constrangimento a potenciar o isolamento daquela região.
Todavia, nem por isso Micaúne deixou de conquistar, na época, uma posição destacada no sector primário, detendo mesmo uma actividade pecuária extensiva geradora de significativo contributo económico e, fundamentalmente, uma invejável e florescente exploração do palmar liderada pela Madal, uma das companhias majestáticas implantadas na Zambézia.
Arrendatária, entre outros, do antigo Prazo Maindo e consolidando a posse de inúmeras áreas envolventes ao mesmo, a Madal dispunha então da maior mancha de palmar ordenado na zona, estruturalmente designada por 3ª secção, com sede em Micaúne.
O modelo de gestão adoptado promoveu a orientação e o controlo das plantações a partir de diversas unidades de produção, estrategicamente construídas ao longo da área ocupada pelo palmar e designadas por estações, sendo todo o coco canalizado para aquelas e aí sujeito às operações de elaboração da copra.
Saindo de Micaúne, em direcção a Mitange e à orla marítima, pontificavam as estações de Muio e da Barra, precisamente as que foram alvo da minha permanência.
Rumo ao Chinde, já no sentido sul e próximo do mais importante aglomerado comercial de Micaúne, situava-se Magodo como última estação, aí tendo residido a família Fonseca e um dos primeiros amigos de infância – Luís Fonseca.
Meio século decorrido, Baptismo em Moçambique estimulou o retorno a memórias longínquas e já adormecidas e, por um momento, a nostalgia deambulou pela praia da meninice, Barra de seu nome, majestosa na brancura de fina areia e eterna princesa de fascinante horizonte azul onde o insinuante Índico jamais deixou de reinar.
Mas a narrativa também resultou chocante por deixar transparecer uma realidade incontornável: - pese o isolamento, a região da minha infância ainda não conseguiu alicerçar um nível de sustentabilidade seguro e estimulante para projectar um futuro melhor para as suas gentes.
Entretanto, enquanto na savana se resguarda e aprimora um reino selvagem que prossegue em hercúlea sobrevivência, faz já tempo que no palmar tombaram as cercas de “macubar”, retiro nocturno das bestas que mugiam.
Erectos espiques vão definhando, frágeis à moléstia que persiste, implacável a dizimar inconfundíveis copas.
E os caminhantes vagueiam por picadas poeirentas, já vazias de “cafurro” que o tempo consumiu. Confidenciam em “maindo” mas é o cúmplice eco do batuque que lhes exulta o espírito.
Afinal… a vida continua!
Cafurro - designação dada ao tegumento, invólucro rígido do coco que reveste a amêndoa, componente branca que extraída e sujeita a secagem origina a copra
Maindo - dialecto local, preponderante entre as formas de expressão vigentes