quinta-feira, outubro 09, 2008

MEMORIAL DE QUELIMANE: V - Renascer

Sabes... sempre te impuseste como cidade do coração e cada vez mais percorro o tempo procurando rever-te. Acredita que nem sempre é fácil o exercício. Se, sorrateiramente, a memória abusa em atraiçoar-me, também tu primas em confundir-me com diversos frutos das gestações suportadas.
Seja como for, sossega: - a afeição que, quão hábil como descarada, foste pródiga a incutir-me continua a ser fogo resistente onde todas as nossas cumplicidades mergulham, crepitando em chama viva.

Quero então segredar-te que hoje a picadela foi forte... ou não fosses também a rainha dos mosquitos!
Na verdade, deambulando pelo jardim da Câmara, de frontaria tão genuína que teima em surpreender todos, mesmo as exóticas araucárias já vocacionadas a acentuarem a inclinação, quais sentinelas rendidas, imagina que o olhar fugiu para a esquerda e zás... senti-me nos verdes anos ao captar a escola que lá permanece em solitária sobrevivência e, a ajuizar pelas crónicas, agora à mercê da devassa e da incúria.


Apesar da curta permanência, confesso que também não a enobreci devidamente face ao mérito evidenciado, admitindo mesmo que lhe terei causado algum constrangimento. É certo que aos 6 anos a ninguém se exige proezas de vulto mas, diacho... ela merecia bem mais que um gatafunhado abecedário ou uma contagem embaraçada que invariavelmente emudecia logo que citados os números dos brinquedos.
Entretanto, observando mais além, vislumbrei a lateral nascente, ali no início da rua ora designada Avenida 1º de Julho. E o palpitar acelerou ao redescobrir o lar que em 1957 recebeu a criança vinda lá do palmar de Messoluga.


Senti que os anos o vergaram demasiado na vetustez. Ao seu lado, a escola suplanta-o bem na robustez e na graciosidade.
Mesmo assim, repara cidade minha, a atracção impeliu-me a transpor a entrada e, por um instante, a aconchegar-me no alpendre da infância. Apenas quis retocá-lo com as luxuriantes buganvílias que outrora orlaram colunas e balaústres e no seu viço presenciar os camaleões a mudarem de cor.


César Brandão - 09.10.2008

Referências:
  • 1ª Foto - fachada principal da antiga escola primária de Quelimane, então designada Vasco da Gama.
  • 2ª Foto - edifício que durante anos funcionou como lar para inúmeros filhos dos empregados da Madal. Na época em que o frequentei tinha uma função mista, sendo dirigido por Carregal Ferreira e respectiva esposa, D. Lina. Mais tarde passou só a lar masculino, função que deteve até 1975. No presente é sede de uma organização não governamental.

1 COMENTÁRIO(S):

  1. Boa tarde. Venho pedir autorização para publicar a primeira fotografia inserida neste texto (preto e branco) no livro que irei editar no início do ano sobre Moçambique.
    Deixo aqui o meu endereço de e-mail: nunoalvescaetano@gmail.com
    Muito obrigado
    Melhores cumprimentos
    Nuno Alves Caetano

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