Quiseram os srs. Perpigná e Alexandre Magno mostrar-nos um trabalho formidável, levado recentemente a efeito. Consiste esse trabalho num canal com 8 quilómetros que, partindo do rio Macanga, subisse até à estação agrícola de Zalala, para transporte da sua copra para Tangalane.
Nunca por ali navegaram outras embarcações que não fossem escaleres ou grandes almadias. Resolveram pois os nossos companheiros inaugurar o canal, fazendo descer por ele um gasolina. E depois de almoçarmos partimos para o citado canal, onde de facto o gasolina nos esperava.
Eram 17 horas quando começámos a descer. É, de facto, um trabalho formidável. Tem esse canal seis metros e meio de largura e é bastante profundo. A meio do caminho, porém, o motor da embarcação teve uma «panne», e ali ficámos durante o resto da tarde esperando que o motor fosse reparado. Mas impossível. O que fazer em tais condições?
Era impossível saltarmos para terra, visto aquela região estar debaixo da água das últimas cheias. Apelámos para o último recurso. Ordenámos que dois pretos conduzissem a barca a remos, canal abaixo.
E assim se fez. Mas quando entrámos no rio Macanga a força da corrente era tão impetuosa que, tomando conta do barco, levou-o rio abaixo com tamanha velocidade que o leme era impotente para lhe dar direcção. E, ao «Deus dará», viemos à mercê da corrente, passando por debaixo de salgueiros e galgando sempre, como se pretendêssemos alcançar o oceano com a velocidade do relâmpago.
A noite estava escuríssima. E só víamos o perigo quando se abria a luz dos relâmpagos, anunciando-nos uma próxima tempestade.
O que será de nós? Onde iremos parar?
E foi ainda à luz rápida de um relâmpago que vimos uma grande ponte que a Société du Madal mandara construir sobre o Macanga. É uma ponte que mede 65 metros de comprido e está assente sobre grossos barrotes de madeira.
O barco, porém, devido a um redemoinho, atravessou-se no rio, uns 4 metros antes de chegar à ponte citada, e com rapidez, como se fora um sopro, a corrente do rio arremessou-o contra os referidos barrotes com tal violência que se sentiu a ponte estremecer.
Só tivemos tempo de nos agarrar com toda a nossa energia às pranchas da ponte.
Estabeleceu-se um verdadeiro pânico e só nos víamos uns aos outros quando novo relâmpago vinha tornar ainda mais tétrica esta cena.
- O melhor é não nos precipitarmos – gritámos.
Então o sr. Perpigná tomou a direcção dos trabalhos de salvamento.
Ordenou que, com o auxílio dos nossos braços, fizéssemos conduzir o barco para fora da corrente que, de momento para momento, mais aumentava de impetuosidade.
Trabalho difícil. Os barrotes têm grandes escoras e o barco encalhava nelas.
Tivemos pois, com toda a nossa violência e com receio do barco se voltar e irmos todos corrente abaixo, de afastar o gasolina dos barrotes e só depois de um grande, de um infindável quarto de hora, vimos que o perigo havia passado, visto sairmos fora da corrente do rio. Dois possantes pretos saltaram à água e conduziram-nos às costas para cima da ponte.
Estávamos todos salvos.
Daí a meia hora, quando nos apanhámos em casa, estávamos como doidos de alegria, dessa alegria de viver.
- Venha mais «whisky», mais «whisky».
E Alexandre Magno pôs sobre o gramofone o disco «O vira do Minho». Todos cantámos, dançámos, pulámos sob essa sensação que sempre se sente após os grandes perigos.
E ficou convencionado dar-se à ponte, tão sinistra como salvadora, o nome de «Ponte das Tormentas».
Conforme testemunhos familiares, à referida ponte frequentemente acostavam batelões para o transporte da copra oriunda das estações próximas sob gestão da Madal.
Porém, tal prática teve o seu epílogo por volta de 1960. Num dos habituais carregamentos o Macanga fez questão de evidenciar diabruras antigas, só que então os desgastados pilares já não suportaram os violentos abraços dos batelões e a ponte sumiu-se de vez.
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