Chinde
está hoje em festa. É o seu 100º aniversário. No longínquo ano de 1912,
a povoação de casas tipo palafita erguida na margem direita de um dos
braços do extenso delta do Zambeze, ganhava o estatuto de vila. Hoje,
centenária, Chinde não pensa no seu progresso mas em como evitar o seu
desaparecimento como vila, como povoado ou mesmo como local habitável.
Localizada
no sul da província da Zambézia, a vila do Chinde, sede do distrito de
mesmo nome, teve o seu florescimento, tal como hoje a sua morte, sempre
ligada ao portentoso rio.
Como porta de entrada para a exploração
das terras do interior, primeiro, concessão (entreposto) inglesa para
abastecimento da Niassalândia (Malawi) depois, a pequena aldeia cresceu,
metamorfoseou-se numa vila ordenada, com casas de alvenaria, ruas
asfaltadas, banco, clube, biblioteca e energia eléctrica dia e noite.
Mas
o seu ex-libris eram os barcos tipo Mississipi, rodando as enormes pás
na parte traseira. Quem não se lembra do “Mezingo”, do “Zanha”, do
“Mouzinho de Albuquerque” e outros, o “Mazzaro” o “Quarra” ou o
“Marruma”, subindo e descendo o Zambeze, em viagens, por vezes de alguns
dias, até Tete. Navegações cansativas? Nem tanto. Era um regalo ver os
crocodilos se bronzeando nos bancos de areias, ver o banho dos
hipopótamos, ver o esforço das canoas – lá, são almadias - para fugir
das ondas provocadas pelas pás impulsoras dos barcos, ver o aceno de
desconhecidos nas margens verdes para desconhecidos no meio do rio,
gente pescando, tomando banho, lavando roupa e loiça, mesmo sabendo que
algum crocodilo esfomeado pode estar à espreita. Enfim, o Zambeze tinha
(tem) muitas coisas a oferecer às suas visitas.
Entretanto, o
progresso das comunicações por via-férrea - ligação Beira-Malawi e
depois o ramal de Inhamitanga-Marromeu - retirou certa importância ao
Chinde, mas a vila manteve algum do seu esplendor, com a mesa farta de
arroz, banana, coco, peixe e mariscos, bebendo as águas do Zambeze e
salgando tudo com o imenso Índico. Além do mais, as açucareiras de Luabo
e Marromeu ainda laboravam.
Depois da independência e por causa
da guerra civil que se lhe seguiu, Chinde caiu quase à estaca zero. A
paralisação completa da produção açucareira, o superpovoamento devido
aos deslocados de Luabo, Marromeu e até de Mopeia, e o corte completo da
rede de comunicações sufocaram a vila. Servida antes por carreiras
fluviais diárias, uma linha marítima ocasional e três carreiras aéreas
semanais (para Quelimane e Beira), além das precárias, mas funcionais,
vias terrestres (por Micaúne e Luabo), a vila virou a Ilha do
Misteriosa, isolada, esquecida, perdida no mapa.
Veio a paz, chegou a
esperança, um cumular de promessas anunciadas (quase nenhuma cumprida) e
muitos desafios à vista, a frente dos quais encontramos as vias de
acesso e o bicudo problema da erosão. Qualquer aposta no Chinde sem a
resolução destas duas questões é deitar o dinheiro literalmente na água.
Vinte anos de paz, entrar ou sair, trabalhar ou viver no Chinde é um
acto ou de coragem, ou de desespero, ou de “mercenarismo” e/ou de
paixão. Para os povos do Chinde e de todo o Vale do Zambeze é urgente,
porque é vital para o seu desenvolvimento, a resolução do problema da
navegabilidade do grande rio. Um projecto de transportes para o distrito
que não assente no Zambeze tem grandes probabilidades de fracasso.
Sabemos que não á fácil navegar o Zambeze, ora é um pântano, ora é um
mar, consoante a disposição que assume em tempo seco e na época chuvosa.
Sobre a erosão, o assunto não é menos grave. A força das águas
do Zambeze e os ventos soprados pelo Índico vão desgastando a vila. A
parte velha da urbe está a desaparecer, levada pela água que já ameaça a
nova. Segundo fontes, o Chinde de hoje é o terceiro, os dois
anteriores, forças da Natureza o levaram.
O Homem também pouco faz
para minimizar os efeitos ou impacto dos factores naturais. Do asfalto
de outrora das ruas sobram pedras ornadas de capim ou relva, os muros
vão tombando. No Chinde, a jardinagem não é apenas um exercício de
estética mas de preservação, de sobrevivência. Implantada em terrenos de
areias soltas, é vítima fácil da erosão. A relva e as flores que,
antigamente, tornavam todo burgo num jardim, volatilizaram-se. A terra
ficou nua, e as areias desapegas viajam para destinos que ventos
levianos querem.
Apesar de todas estas adversidades, neste virar
do seu primeiro século de vida como vila, Chinde, como alguém já disse,
sonha - e tem condições para tal – em voltar a brilhar como um farol de
desenvolvimento bem ali ao sul da província da Zambézia, bem ali onde as
águas do grande Zambeze se juntam às do Índico.
E é a esperança
que hoje move o Chinde nesta festa do seu centenário, mesmo consciente
que as águas e os ventos lhe tiram o chão. Mas são a mesma água e o
mesmo vento que reforçam essa esperança porque a terra que tiram de um
lado depositam-na doutro. O rio se aproxima da vila e o mar se afasta. É
assim o Chinde, com surpresas e mistérios. Lugar certo para que
geógrafos, biólogos, ambientalistas, descubram os caprichos da Natureza.
José Machado - sempreaki@ymail.com
0 COMENTÁRIO(S):