quinta-feira, fevereiro 08, 2007

REFERENDO - poema para o "Não"

Recebi hoje o poema que passo a transcrever:

ERA TÃO PEQUENO

Era tão pequeno
que ninguém o via.
Dormia sereno,
enquanto crescia.
Sem falar, pedia
– porque era semente –
ver a luz do dia
como toda a gente.
Não tinha usurpado
a sua morada.
Não tinha pecado.
Não fizera nada.

Foi sacrificado
enquanto dormia.
Esterilizado
com toda a mestria.
Antes que a tivesse,
taparam-lhe a boca
– tratado, parece,
qual bicho na toca.

Não soltou vagido.
Não teve amanhã.
Não ouviu: "– Querido..."
Não disse: "– Mamã..."

Não sentiu um beijo.
Nunca andou ao colo.
Nunca teve o ensejo de pisar o solo,
pezinho descalço,
andar hesitante,
sorrindo no encalço
do abraço distante.

Nunca foi à escola
de sacola ao ombro,
nem olhou estrelas
com olhos de assombro.

Crianças iguais
à que ele seria,
não brincou com elas
nem soube que havia.

Não roubou maçãs,
não ouviu os grilos,
não apanhou rãs
nos charcos tranquilos.

Nunca teve um cão,
vadio que fosse,
a lamber-lhe a mão,
à espera do doce.

Não soube que há rios
e ventos e espaços.
E Invernos e estios.
E mares e sargaços,
e flores e poentes.
E peixes e feras
as hoje viventes
e as de antigas eras.

Não soube do mundo
Não viu a magia.

Num breve segundo,
foi neutralizado
com toda a mestria:
Com as alvas batas, máscaras de Entrudo, técnicas exactas,
mãos de especialistas negaram -lhe tudo
(o destino inteiro...)

- porque os "abortistas" nasceram primeiro.


Numa sociedade cada vez mais pródiga no confronto de valores e de referências sinto uma crescente dificuldade em atingir a margem do denominador comum - se é que tal existe e não seja já uma utopia.
Entretanto, tendo presente o domínio abordado pelo poema, pese os flavos discursos dos imperadores de todas as razões, a consciência impõe-me uma só verdade: - o direito à vida não se referenda!
Assim colocado, considerando pois o próximo referendo sobre a despenalização da "interrupção voluntária da gravidez", confrange-me que o exercício do dever cívico de votar seja determinado para mais ou menos alínea legislativa, passível de conflitualidade com a essência primordial em que jamais reivindiquei tutela douta e, pior ainda, sujeito a pergunta que não legitimei ninguém a fazer-me.
Perante tal afrontamento, o não é obviamente inequívoco.

César Brandão - 08.02.2007
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domingo, janeiro 14, 2007

PALMAR DA ZAMBÉZIA: - um futuro sombrio


A doença do amarelecimento letal do coqueiro - Coconut Lethal Yellowing - é já considerada no presente a moléstia mais devastadora dos palmares.

Dispersa por várias partes do mundo, o registo da sua ocorrência em Moçambique remonta a meados da última década do século passado, atingindo a severidade dos danos emergentes níveis confrangedores na faixa costeira da província da Zambézia, precisamente a detentora da maior área de palmares em Moçambique e, concomitantemente, a que disponibilizou um contributo decisivo para que aquele país se posicionasse na lista dos maiores produtores mundiais de copra em época ainda recente.

Após 1975, a progressiva desagregação das companhias majestáticas de outrora, tais como Boror, Zambézia e Madal, e um longo período de guerra civil conduziram a um forte constrangimento das práticas culturais requeridas pelo palmar e, bem assim, ao indesejável declínio da produção.
Foi pois neste cenário de óbvia fragilidade que ocorreu o registo da doença na Zambézia, sendo a sua incidência particularmente gravosa nos distritos de Inhassunge e do Chinde, obrigando ao inevitável abate de milhares de coqueiros e, por conseguinte, debilitando ainda mais a já depauperada realidade económico-social das populações locais.

O agente nocivo encontra-se identificado como um fitoplasma, patogénio maior que virus e menor que bactéria, que se instala nos coqueiros e em outras palmáceas, sendo regularmente detectado através de microscopia electrónica nas células dos vasos do floema, tecido que transporta os nutrientes da planta. Assim, afecta a circulação da seiva, problema que evolui rapidamente provocando a morte das plantas infectadas, desfecho que ocorre 3 a 6 meses após o aparecimento dos primeiros sintomas.
O quadro sintomatológico é o característico das doenças vasculares: queda prematura dos frutos em diferentes estados de desenvolvimento, necrose das inflorescências, amarelecimento, murcha e seca das folhas, apodrecimento dos tecidos meristemáticos apicais e, por fim, colapso da coroa deixando o tronco nu - sintoma conhecido como "poste de telefone".


Todo este processo degenerativo é estimulado pela presença de insectos que, alimentando-se do floema de exemplares doentes, adquirem e vão transmitindo o fitoplasma a outras plantas.
Emergindo a doença numa plantação, apesar do grau de infecção ser baixo nos 2 primeiros anos - normalmente não excedendo 10% do povoamento - o certo é que se torna galopante nos anos seguintes, evoluindo para taxas de 30% no 3º ano e de 70% no 4º ano.
Naturalmente que consolidada a existência dos insectos vectores nas áreas afectadas a sua capacidade reprodutiva induz sucessivas gerações, responsáveis por acréscimos populacionais significativos, que vão acentuar a pressão da praga no palmar e, assim, contribuir para aquele repentino e acelerado agravamento.
Em diversas zonas do globo a cigarrinha intitulada
Myndus crudus é reconhecida como o principal vector do amarelecimento letal.


De momento continua a prevalecer uma ausência de qualquer tratamento curativo na luta contra esta doença. O recurso à tetraciclina, injectada directamente no tronco do coqueiro na altura em que evidencia os primeiros sintomas da moléstia, apesar de garantir a sobrevivência por um período de tempo alargado, não constitui alternativa economicamente sustentável, sendo tal prática apenas justificada na manutenção de palmáceas individuais de reconhecido valor genético ou ornamental.

Entretanto, se o combate químico aos agentes vectores pode atenuar a incidência do amarelecimento letal, também os custos elevados da sua aplicação, acrescidos dos riscos ambientais e dos fenómenos de resistência emergentes, inviabilizam este tipo de controlo.

Assim, para além das práticas de erradicação de todo o material afectado e das normas restritivas à circulação de produtos oriundos de zonas não isentas da doença, as expectativas de se garantir o domínio desta enfermidade centralizam-se nos contributos que a investigação científica incessantemente tem procurado disponibilizar, nomeadamente a orientada para os domínios biológico (possibilidade do controlo dos vectores potenciando os seus inimigos naturais, designados predadores) e genético (pesquisa e obtenção de cultivares resistentes).

Perante o descrito, um programa estratégico que promova o repovoamento de toda a área do palmar zambeziano afectado afigura-se prioritário e inadiável, sob pena de se tornar irreversível a não sobrevivênvia da cultura na região e, bem assim, de se hipotecar em definitivo a revitalização do sector de produção da copra, desde sempre responsável por uma das principais fontes de riqueza da Zambézia.

Sabe-se que estão em curso acções de prospecção e abate do material doente, que foram accionados mecanismos de quarentena, que decorrem ensaios com sementes oriundas de zonas não afectadas pelo amarelecimento letal visando apurar o grau de resistência das mesmas e que foi consumada a importação de cultivares de países onde a doença não está declarada com o intuito de aferir a sua adaptabilidade na província.


A adequação destas acções é incontroversa mas, porque o desafio é gigantesco, deseja-se também que o seu enquadramento como causa nacional não suscite dúvidas.

Então, igualmente se requer que as entidades responsáveis não esmoreçam, pugnando em tempo útil pelos meios financeiros indispensáveis à concretização de toda uma estrutura operacional que objective a agilização da investigação agronómica neste domínio, que oriente a divulgação do conhecimento, que fomente a implantação das unidades vocacionadas na obtenção das plantas necessárias a um efectivo repovoamento e que assegure um controlo apertado na reprodução do material vegetativo de forma a salvaguardar uma rigorosa certificação fitossanitária.

Que a determinação humana supere os tempos difíceis, alicerçando caminhos de esperança - a Zambézia merece que o palmar, referência emblemática das suas gentes, sobreviva no futuro sombrio que se projecta, continuando a respirar na quietude das horas de magia que alimentam a nostalgia de rotas do entardecer.


César Brandão - 14.01.2007
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sábado, janeiro 06, 2007

ASTRA HARRIS - uma rainha que nos deixa

Natural da Zambézia - Moçambique, tendo nascido no Luabo, decorria o ano de 1952, determinou o destino que ASTRA HARRIS, grande rainha da música moçambicana, ao iniciar-se o ano de 2007 nos abandonasse tão prematuramente.

Neste momento de tristeza associo-me ao choro zambeziano que a tantos invade, manifestando os meus sentimentos a toda a sua família e amigos.

Editado em 1995, Muiana Moçambique constitui-se como o seu primeiro álbum, logo evidenciando toda a sua extraordinária voz e o apego às raízes culturais que tanto amou.
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