segunda-feira, fevereiro 11, 2008

BAPTISMO EM MOÇAMBIQUE - (Parte III)

WATERBUCK - Kobus ellipsiprymnus

Na manhã de 11 de Setembro levantámo-nos às 4,30 horas e, após o pequeno-almoço, encetámos a marcha. Como sempre, Juan e eu íamos no assento corrido, retesados de frio, com os ombros encolhidos e os braços cruzados para proteger as mãos. À semelhança dos dias anteriores, rodeados de papiros, atravessámos o leito de um riacho com pouca água e muita lama, que se vencia com dificuldade por sobre uns troncos rudimentarmente cortados e que abanavam ao passar o Toyota.

Logo ao amanhecer, com intensa névoa, à direita e a uns 150 metros vimos um imponente waterbuck, localmente designado por inhacoso, piva ou namedouro. A sua silhueta, de frente mas desvendando um pouco o costado esquerdo, e a esplêndida cornamenta recortavam-se na bruma. Estava mirando com uma postura que parecia altivez, mas era pura curiosidade.
Era um macho solitário extraordinário. Juan emprestou-me a sua arma e não hesitei. Pus a cruz da mira telescópica sobre a omoplata esquerda e disparei. Caiu instantaneamente. O tiro foi muito bom e a intensa emoção sentida fez-me caçador. Um calafrio percorreu-me o espinhaço até deter-se na nuca. O coração palpitando, os membros trémulos e o formigueiro facial dominaram o meu corpo durante vários minutos. Depois uma intensa alegria que não me abandonou pelo dia inteiro.
Após as efusivas felicitações e os registos fotográficos correspondentes, passámos à realização das medições.

Os inhacosos são animais que vivem perto da água, refugiando-se nos canaviais. Têm uma pelagem grisalha, com os sobrolhos e os trajectos lacrimais brancos, exibindo ainda um invulgar círculo branco desenhado nos quartos traseiros, cuja perfeição faz lembrar um alvo de setas. Vivem em pequenos grupos de 5 a 20 cabeças, praticamente só constituídos por fêmeas e um macho. Os bons troféus são os machos velhos que, tal como este, são solitários. São perigosos quando se sentem atacados. Contaram-me casos em que reagiram ferozmente contra o caçador.

PALAPALA - Hippotragus niger

Para evitar que fosse visto pelos abutres e ser recolhido no regresso, cobrimos o animal com rama verde e prosseguimos em busca de uma boa palapala para Juan. Avistámo-las cerca das 2 horas da tarde. Eram seis com um bom macho. Estavam a uns 800 metros, em zona de escassa vegetação, mas sabiam ocultar-se. Saltámos do Toyota e começámos a aproximação. A 200 metros o vento colheu-nos, despertando a fuga. Juan atirou precipitadamente, errando. Retornámos ao todo o terreno para dar a volta e encontrar o vento de frente. Detectadas novamente, fomos diminuindo a distância até nos situarmos a uns 100 metros. Juan disparou cobrando um magnífico macho, que o deixou plenamente satisfeito. Impressionou-me a sua beleza e imponência, com uma pelagem negra brilhante, crina e longos e curvados cornos.
É um animal agressivo, que não hesita em atacar quando se sente ameaçado. Estes antílopes vivem em rebanhos dominados por um macho, mas geralmente quem lidera é a fêmea mais velha.

Como nos dias anteriores, comemos uma sanduíche, não sei com quê, e ingerimos uma coca-cola. Sem descansar, continuámos toda a tarde.
Ao anoitecer, depois de recolhermos o inhacoso, e ainda com os últimos raios de luz, encontrámos um bushbuck, na zona identificado por cabrito do mato. Juan atirou da viatura, cobrando a peça com um segundo disparo.

Ao deitar-me veio à mente a grande afeição do meu pai. Levava-nos pela herdade espreitando lebres, levantando perdizes e esperando coelhos, para além das anunciadas montarias. Imaginava-me o mais feliz do mundo por desfrutar de uma oportunidade como esta e a ele a dediquei.

O mais relevante no dia seguinte foi o aguaceiro que nos surpreendeu em pleno mato. Ainda bem que levava na mochila o impermeável, incluindo calças. Contudo, Juan ficou completamente encharcado. A agravar a situação também ocorreu um furo numa das rodas obrigando à sua mudança, para depois a viatura ficar atascada na lama. Foi necessário o esforço de todos para sair.
Quando chegámos ao acampamento as cabanas estavam cheias de goteiras, penetrando também o vento pelas folhas de palmeira. As janelas, no lugar dos vidros, estão providas de um mosquiteiro de plástico verde. Nessa noite saltaram, desde a água uma rã sobre mim, e para a cama uma enorme lagartixa. Apanhei um bom susto.
Capítulo singular era o das comidas. Ángel empenhava-se em comer as coisas mais raras dos animais caçados. Parecia um manjar esquisito a língua estufada de inhacoso, assim como o coração de palapala guisado ou o rabo de búfalo, pelo que a minha recusa era pretexto para gracejo. Se havia bons lombos, porquê comer vísceras ou miudezas?


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domingo, fevereiro 03, 2008

BAPTISMO EM MOÇAMBIQUE - (Parte II)

BÚFALO - Syncerus caffer

A nossa primeira saída para a caça foi em busca do búfalo africano. Como “prisioneiros”, e sobre um assento corrido, ficámos instalados na parte posterior do Toyota, com uma estrutura de tubos para facilitar o disparo e garantir o equilíbrio. Um guia ou batedor, sobre o habitáculo, com uma cana comprida orientava o condutor quando o veículo se introduzia nas altas pastagens secas que, frequentemente, ultrapassavam os dois metros. À minha esquerda sentou-se Juan e atrás de nós colocaram-se dois naturais, o ajudante do guia e o carregador.

O primeiro contacto com a savana impressionou-me: - uma paisagem dominada pelo amarelo dos pastos secos, mesclada por zonas de erva recém-nascida, por algumas espécies arbóreas de folha caduca, predominando acácias com perigosos espinhos de vários centímetros e copas estendidas na horizontal, e por muitos arbustos semi-secos, alguns dos quais também com pontas agudas.
Está enraizada a prática de provocar o fogo para queimar a vegetação seca e, assim, facilitar a rebentação dos novos pastos no começo da estação das chuvas. Para o caçador não é mau porque nela se ocultam os búfalos e os felinos, mas a verdade é que desfigura a paisagem que se enche de fumo, cinza e cor negra, danificando também as calças e as botas. Frequentemente vêem-se troncos calcinados que, à distância, se confundem com animais. Surpreende que os que se mantêm em pé, como se tivessem criado resistência ao fogo, voltem a rebentar.
Os negros e brancos da zona encaram com naturalidade o fogo, que nunca lhes causa medo nem alarme. É como se formasse parte do ecossistema.
A fronteira entre a savana e o bosque (savana arbórea) não está bem definida. Sem se dar conta, entra-se em zonas arbóreas que dificultam a progressão em virtude da intensa vegetação existente. Nas imediações de charcos ou leitos de rios semi-secos vêem-se grandes árvores com lianas.

Acompanhou-nos Alain, como caçador profissional e condutor. No meu entendimento, pouco credível devido à minha inexperiência, era pouco hábil, para além de demasiado jovem (menos de 30 anos). Moreno de pele e pêlo, parecia um português do Algarve mas, perante a nossa pergunta, contestou que era sul-africano sem ascendência portuguesa.
Amanhecera já e a uns 500 metros, à esquerda, vimos uma manada de várias dezenas de búfalos que estavam tranquilamente pastando. Com os binóculos observámos que estavam quietos, mirando-nos fixamente, para volverem em seguida, iniciando um passo lesto e provocando tanta poeira que rapidamente ficaram ocultos.
Os búfalos suportam um enxame de pequenos pássaros que pousam tranquilamente no dorso e mesmo na cabeça. Alimentam-se dos insectos, carraças e pulgas, que os mortificam e, por isso, não são indesejáveis. Por outro lado, em inúmeras ocasiões actuam como sentinelas, iniciando o voo quando avistam perigo próximo.

Colocámo-nos em terra, com as armas, mochilas, água e binóculos. Os batedores iniciaram o trabalho, encontrando facilmente as pegadas. Seguimo-las durante horas o mais disfarçadamente possível.
A procura na savana é difícil por muitos motivos. Deve-se avançar em silêncio, mas também rapidamente para não perder o contacto. Os animais em manada movem-se procurando alimento e, como são vários, se não é um é outro que vislumbra o perigo.
Talvez a maior dificuldade esteja no vento quando muda constantemente, tanto de intensidade como de direcção, sem que alguém chegue a saber até onde se espalha o seu odor. Por vezes, após um cuidado infinito, aguentando até molestas formigas e arranhões provocados por espinhos, quando se consegue tê-los a tiro e se avalia o melhor troféu da manada, sem prévio aviso fogem todos os animais.
Noutras ocasiões são alertados e espantam-se devido à fuga de animais ocultos, como as impalas, os facoceros ou javalis africanos e outros.

Alain comentou que a manada estava nervosa e, com o intuito de acalmá-la, sentámo-nos durante umas duas horas. Ali encontrámos os restos de um búfalo, pasto dos leões ou, porventura, vítima de algum tiro menos eficaz, resultando assim em peça não cobrada.
Reiniciámos a procura dando uma volta para apanharmos o vento de frente. Após uma hora, de novo descobrimos os animais a uma distância de uns 300 metros.
Apenas se deixavam ver ocultos na intensa vegetação. Havia pelo menos um par de bons machos que pastavam tranquilamente. Ladeámos pela esquerda para encontrar o vento, adiantando-se Juan e Alain. Por momentos chegámos a rastejar, até aproximarmo-nos a uns 50 metros sem sermos farejados.
Juan, depois de ponderar longamente, com o apoio de um rudimentar tripé e recostado numa árvore, disparou a sua Máuser 375 H&H. O estampido até ao lado oposto donde nos quedávamos foi instantâneo, desencadeando uma nuvem de pó e um ruído impressionante.
Após as primeiras felicitações, aguardámos 15 minutos, iniciando a detecção de sangue que rapidamente encontrámos, ainda que escasso. Com muita emoção, seguimos a pista que desapareceu a uns 150 metros. Disse a Alain que provavelmente o animal se deteve atrás, escondido numa mancha de erva seca e alta, com cerca de 70 por 50 metros, que tínhamos deixado à esquerda.
Retrocedemos e, imprudentemente, ficámos demasiado próximos da zona, rodeando-a tanto quanto possível. Os batedores, sob a protecção de uma árvore em caso de necessidade, começaram a lançar pedras. Felizmente que o animal saiu em direcção diferente da nossa. Alain atirou demasiado alto, realizando um segundo disparo que roçou o dorso. Corremos atrás e Juan acertou-lhe na garupa. Contudo, o animal não se deteve e voltou a esconder-se na abundante vegetação, até que um quinto disparo lhe atingiu o codilho e foi definitivo. Soltou um mugido assustador e caiu. Necessitou de um sexto disparo ao pescoço.
Continuo sem entender porque Alain nos colocou junto ao pasto, sem capacidade de resposta se tivéssemos sido atacados. Um profissional deveria colocar-nos à distância suficiente para termos possibilidades em caso de investida.
É sabido que um búfalo ferido se torna perigosíssimo e que espera escondido, por instinto sabendo onde alguém vai a passar, acometendo brutalmente apesar de estar gravemente ferido. Por isso, a sua caça é deveras emocionante. Perante a astúcia, força bruta e bravura, há que opor perseverança, sangue frio e valor.
Após as habituais fotos, Alain foi com os auxiliares em busca do Toyota, deixando-nos ali sozinhos. Tardaram em regressar mais de três horas, alegando que se perderam e que lhes custou encontrar-nos. Sentia-me nervoso, entardecia, não sabíamos aonde estávamos e nos faltava o sentido de orientação. Durante a espera apareceu um facocero que apanhou um susto maior que o nosso.

Era um bom búfalo mas não um grande troféu. Juan ficou contrariado por ter cedido à insistência de Alain.
Após carregar o búfalo esquartejado, partimos para o acampamento. Chegámos tarde e cansados. Esperava-nos um reconfortante duche.
Contudo, a água, para além de escassa, tinha uma cor entre cerveja e vinho rosado e um desagradável odor a lodo. A roupa ficou tão suja pelas cinzas que, mesmo depois de lavada, continuou tisnada.
Acercámo-nos então da fogueira, com Ángel e JR. Entre a agradável tertúlia, bem acomodados em cadeirões de madeira e ráfia, comentando as peripécias do dia, demos conta das nossas provisões ibéricas e do bom vinho. É um prazer inigualável, mais ainda quando vemos o pôr do Sol.

Passei a noite inquieto, pensando nas incidências do dia, ouvindo o mugido/estertor do búfalo. Vinham-me à mente os escrúpulos por matar um animal. Em contrapartida, pensava que o ecossistema, pela mão dos depredadores, fogo, secas, cruelmente elimina os mais velhos ou débeis – crias e enfermos, que também são abandonados pelas suas próprias manadas. O caçador só dispara contra os velhos machos, respeitando os jovens, as fêmeas, bem como as crias. Pesadas multas e a retirada da licença recaem sobre os que infringem esta norma. Julgo também que quando se abate um macho dominante o mais forte, de entre os jovens, ocupa o seu privilegiado lugar.
Muitos dos que falam da crueldade da caça estão a favor da eutanásia e do aborto. Todos ou quase todos comem carne e pescado. Não importa se outros matam para eles. Olhos que não vêem… Tão pouco têm em conta a vida miserável dos animais estabulados em granjas.
O animal de caça está resguardado no seu habitat, cuida da sua alimentação e água, quanto possível protege-se de epidemias e realiza a selecção dos melhores elementos. Muito do dinheiro arrecadado com a exploração da caça é canalizado para a conservação das áreas cinegéticas. Em Espanha há milhares de coutos destinados à caça, que cobrem uma área significativa do território, com quase milhão e meio de licenças, sendo a principal fonte de receitas para milhares de habitantes do meio rural.
Nos países de África, aonde se decretou a proibição, a caça desapareceu completamente em poucos anos. Foi necessário proceder ao repovoamento e garantir a vigilância, acções só possíveis com a exploração de coutadas, tanto privadas como do estado. Actualmente é uma actividade económica que proporciona importantes receitas, constituindo uma boa forma de vida para milhares de pessoas sem nenhuma outra possibilidade.
E acabei por adormecer.


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sábado, janeiro 26, 2008

BAPTISMO EM MOÇAMBIQUE - (Parte I)

Autor: “O Afilhado”


Nas frequentes reuniões de amigos sempre tive oportunidade de estar próximo de Ángel e questioná-lo sobre as suas experiências cinegéticas na África sub-equatorial. Adorava ouvi-lo contar as aventuras nas selvas, entre outras, da Tanzânia, da África do Sul, ou mesmo do Botswana. Assim cresceu o meu interesse para visitar África e conhecer a vida da savana.
Ángel Caçador de León, assim se chama o meu amigo, empenhado na organização de um safari em Moçambique, ofereceu-me a oportunidade de participar. Já com mais tempo livre, não pensei duas vezes.
Nos meses prévios li com redobrado interesse os livros que me emprestou: “Safaris Africanos” do comandante Andy Anderson e “Homem da Selva” do lorde Philip Pretorius, que relatam aventuras colectivas e caçadas individuais em finais do século dezanove e princípios do vinte.
Conheci José Román La Seca, JR para todos, durante os preparativos da viagem. Os bilhetes de avião, o visto nos passaportes, a contratação com a McDonald, proprietária da concessão de caça, as reuniões com José na Safari Headlands, foram alimentando a minha ilusão.
E, por fim, chegou o dia 6 de Setembro, data da partida.

Nessa manhã conheci Juan Catalán Doshijos. Fomos buscá-lo ao aeroporto. Vinha de Ibiza e a espingarda fora extraviada. Por fim, foi recuperada na intervenção de armas de Barajas.
Fizemos o voo num Airbus 340, da Iberia. Partimos às 00,30 horas, chegando a Joanesburgo por volta das 11. Dormimos durante grande parte do trajecto.
Na chegada, ninguém da McDonald se encontrava à nossa espera. Após o controlo nos serviços de emigração e de intervenção de armas, apresentámos as passagens e entrámos num pequeno avião bimotor de hélice, de 20 lugares, que em 40 minutos nos deixou na actual urbe de Polokwane, antigamente designada por Pietersburg. O previsto tinha sido concretizar este itinerário por estrada. Novamente realizámos todas as formalidades respeitantes às armas na intervenção da polícia, que nos pediu uma gorjeta para café.
Ali recolheu-nos, segundo creio, a esposa do proprietário da McDonald. Numa pequena furgoneta, levou-nos até ao acampamento, aonde dormimos nessa noite.
Ficámos hospedados numa cabana muito moderna e bem construída. Jantámos uma má lagosta no melhor restaurante da localidade. Antes acompanharam-nos a um bazar bem sortido de recordações africanas, aonde comprámos várias coisas para a família.
Quando nos metemos na cama, José enviou-me uma mensagem com a má notícia do empate a um com a Sérvia no Calderón, com golo de Kezman nos últimos minutos.
Às cinco horas da manhã soou o despertador e, após um café, iniciámos o trajecto em direcção ao aeroporto, aonde uma avioneta Barón 58, bimotor de 5 lugares, nos aguardava.
O aeroporto era um conjunto de três ou quatro edifícios pequenos, de um só piso, com as paredes pintadas de branco e as janelas e os telhados de azul. O edifício principal não teria mais de 150 m2, sendo praticamente só ocupado pelo pessoal de serviço. Na frontaria destacava-se a manga de vento que o identificava como aeroporto. A única aeronave presente era a nossa.
O piloto e Juan instalaram-se à frente, Ángel e JR na 2ª fila e eu fiquei no assento da cauda. À minha esquerda, e na traseira, levávamos os alimentos perecíveis (verduras, frutas, ovos, etc.) para o acampamento, acondicionados em bolsas de supermercado, para além das armas e das caixas de munições. No espaço saliente e disponível, em frente do piloto, acomodaram-se as bolsas de viagem.

Iniciámos então a viagem até Quelimane. Tivemos para mais de 3 horas e 20 minutos de voo, suportando um ruído que praticamente nos impediu de qualquer conversação.
O aeroporto de Quelimane era semelhante ao de Polokwane, embora com os avisos em português. Fizemos a apresentação dos passaportes e a comprovação das armas e, de seguida, regressámos à avioneta.
Através da janela observei entusiasmado o delta do Zambeze que, com seus 2700 km, é um dos maiores rios de África, logo atrás do Nilo. Vi-o majestoso, serpenteando até à sua desembocadura no Índico.


O último dos quatro voos não durou mais de 30 minutos, mas começaram umas desagradáveis turbulências e uma indisposição no início da boca do estômago foi evoluindo para uma estranha sensação de náusea. A pista de aterragem situava-se numa zona de savana com muita vegetação. Uma faixa de 20 metros de largura por não mais de 200 de comprimento tinha sido capinada.
A pronunciada inclinação da avioneta, em passagem obrigatória para afugentar os animais e assim evitar um acidente, agravou o meu estado de enjoo. A aterragem foi uma bênção.
Logo que em terra, vindo do acampamento, situado a uns 300 metros, chegou um Toyota, com três americanos, dois homens e uma mulher, que terminavam a sua aventura e regressavam na nossa avioneta. Vinham contentes e logo descolaram rumo a Quelimane e Polokwane para chegarem com luz.
O acampamento de Mahimba está a dois dias de caminho da cidade de Quelimane já que não existem pontes sobre importantes estuários do delta do Zambeze, sendo então necessário realizar um grande desvio. Perante qualquer urgência, estávamos assim isolados.



O complexo desenvolve-se em torno do refeitório/espaço de convívio, construído com o tecto arqueado de forma cónica tradicional africana, a partir de vigas de troncos de árvores e de folhas de palmeira. Lá estava a velha geleira que funcionava umas horas quando estava ligado o gerador eléctrico. Três cabanas, com um pequeno serviço, serviram de dormitório: uma ocupada pelo caçador profissional principal, com sua mulher, a segunda por mim e Juan e a terceira, mais próxima do refeitório, por Ángel e JR.
Por detrás situavam-se as outras dependências: cozinha, lavadouro, esfoladouro, assim como os alojamentos dos 16 naturais que lá trabalhavam.
Altas e velhas palmeiras rodeavam todo o acampamento.


No espaço exterior, frontal ao refeitório, acendia-se a fogueira e divisava-se uma esplêndida e extensa paisagem. Em frente havia uma depressão com cerca de 300 metros de extensão, semelhante à de um curso de rio seco. À direita lançavam os desperdícios intestinais dos animais caçados, de forma que era frequente ver bandos de abutres esperando pelo manjar.


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