quarta-feira, fevereiro 04, 2009

LAGOA AZUL EM NICOADALA

Nicoadala é passagem obrigatória para quem percorre o principal eixo viário da Zambézia, situando-se a meio caminho entre Quelimane e Namacurra.

Sendo um dos menores distritos da província zambeziana, a sua organização desenvolve-se por 2 divisões administrativas: o posto sede de Nicoadala e o costeiro de Maquival.
Contrariamente à dimensão, a densidade populacional do distrito é das mais elevadas e a ruralidade é fortemente vincada, assumindo-se a agricultura familiar como actividade imperativa para a sustentação das suas gentes, subsidiariamente complementada pela pesca artesanal na zona do litoral. Culturas como o arroz e o milho, ou a mandioca e a batata doce, sempre mereceram um amanho esforçado, sendo também certo que já há muito granjeou justa fama o soberbo ananás produzido nestas terras.

Numa Zambézia que tarda em consolidar as suas potencialidades turísticas, alguns recursos naturais do distrito de Nicoadala perfilam-se no horizonte para garantirem um contributo assinalável.
Neste contexto, se a orla marítima do posto administrativo de Maquival proporciona praias de cativante beleza, como é o caso de Zalala, pedindo meças com a concorrência, já na área do posto sede a natureza persiste em surpreender os que privilegiam espaços genuinamente bucólicos, denunciando que o sossego e a tranquilidade se libertam à dimensão de todas as exigências.
Assim, enquanto que Nhafuba, com as suas águas termais, reivindica protagonismo perante os que carecem de especial repouso, também a Lagoa Azul, situada na localidade de Dugudiua, instiga os amantes de calmas aventuras, desvelando-se em cenário paisagístico de enlevo.

Ao ritmo de ondular lânguido,
Beijas margens que te abraçam;
E eu só... com palavras,
Em murmúrio amante!

De azul fulgente seduzes
O olhar que te contempla;
E eu agora... tão distante!

Qual pérola na planície,
A água as formas te alimenta;
E eu aqui... penando na nostalgia,
Com sede a cada instante!

  • César Brandão, 04.02.2009
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sábado, janeiro 17, 2009

UM VOO AO CHINDE


O pequeno aparelho cruza os céus de Quelimane mas hoje não se imobilizará no aeroporto que, manhã cedo, já sobrevoa.

O tempo, sem se apresentar risonho, não intimida a determinação dos expeditos tripulantes.
No horizonte o Índico mostra já a sua face e as ilhas multiplicam-se na sinuosidade dos rios que se entrelaçam.
Nas imediações do Canal da Chica eis que aflora o último povoado da ponta sul de Olinda, denunciando que o destino imediato é o Chinde, essa ancestral urbe zambeziana que, ora despida da prosperidade de outrora e condenada a sobreviver entre rios que flanqueiam e um mar mordente, ainda suporta um isolamento sufocante, acentuado pelos trilhos difíceis remetidos ao abandono.

No coração do delta, onde o Zambeze exorbita o seu enredo de águas e o mangal se exibe em suprema opulência, vislumbra-se então o ferro velho dos barcos que apodrecem. À falta de melhor sorte, ao menos acolitam a vontade do poeta como retiro certo para o descanço das almas que não deixaram de sonhar.

E mesmo ali ao lado, suspenso em restinga traiçoeira, o Chinde anuncia-se na que já será a sua terceira ou quarta versão, no presente carente de praticamente tudo.


O monomotor volteia agora o espaço onde um casario decadente dissimula auras passadas, preparando-se para abordar o verdejante aeródromo.
A sua presença logo desperta a curiosidade da miudagem que, num ápice, se concentra no velhinho terminal.
Afinal, para alguns será mesmo a primeira oportunidade para observarem as manobras de tal "intruso".

Sobre o compacto gramado que ondula, frenético, o Cessna contacta o solo. Uma ou outra irregularidade não perturbam o movimento seguro e, finalmente, o aparelho imobiliza-se lá bem ao fundo de uma pista raramente procurada.
E o momento de extravasar emoções acontece - já nada refreia a pequenada que em júbilo contagiante rapidamente se aproxima do pequeno avião.

Nos frágeis corpos onde a rude pobreza se evidencia há rostos radiantes que comovem, provocando mesmo alguma estupefacção - no infortúnio de um mundo desvairado como são fortes estes "príncipes do nada"!

Ultrapassadas a timidez de uns e a surpresa de outros a onda de empatia gerada proporciona um convívio expontâneo.
Suspirando por um refrescante banho, a proposta dos viajantes logo mobiliza adeptos que se prontificam a orientar o desafio, tanto mais que no Chinde sempre sobram águas para desejos tais.

Perante o rebuliço infantil que se expressa com vigor no duro areal, os mais afoitos não perdem tempo para afrontar as sossegadas águas.
Na tranquilidade reinante, um olhar distante e perplexo sonda com minúcia o cenário mas o pensamento do petiz não se desvela - porventura, não sabendo nadar, sentirá mágoa? Ou serão relatos sobre crocodilos a apoquentar o espírito?

As horas avançam e na pista ultima-se a armação da tenda porque o retorno só acontecerá no dia seguinte. A cana e o coco, já ali patentes, símbolos da generosidade que o húmus da imensa planura é capaz de fomentar, relembram que nas asas do futuro o seu contributo pode ser decisivo para a reconstrução deste martirizado pedaço zambeziano.
Garbosas, mulheres prosseguem na sua admirável labuta, de soslaio cogitando sobre o insólito exposto. E, entre todos, elas bem merecem a perenidade da esperança - assim a solidariedade humana queira e os deuses não demorem a abençoar esta terra.


César Brandão, 17.01.2009
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terça-feira, dezembro 30, 2008

ALQUIMIA




De APROXIMAÇÕES A EUGÉNIO DE ANDRADE


Retrato: Álvaro Siza, 1995, tinta da china
Poema: Teresa Balté, 1999 - Alquimia (para o Eugénio)




Criam as mãos os frutos e recolhem-nos -
Pousam na terra o ovo da ternura
Regam com riso e chuva e sol e lua
Com a paixão aquecem iluminam

Irradiante o caule rasga o perímetro
Abre-se em asa tinge-se de esperança
Revela então o coração da planta
Na flor da aliança o arco-lírio

E fecunda-se o rubro em ouro de alma
Em pomo em pedra em obra em plenitude
Da semente onde o tempo se confunde
E ternamente rola e ruge e canta -

Criam as mãos os frutos e deslumbram-se
Vertendo noutras mãos o rio de chama
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