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Não raro, uma das facetas mais interessantes das ilhas é a sua flora, composta, por vezes, exclusivamente de plantas oriundas de outras regiões, que as correntes marítimas transportaram no decorrer dos séculos. Foi essa faceta que me levou a visitar as Ilhas Primeiras, certamente o mais curioso grupo de ilhas moçambicanas, por ser o mais afastado da costa.
Recifes de coral que o mar deixa a descoberto na vazante servem de base a estas ilhas. A parte emersa, ou seja a areia que o mar deposita na preia-mar, ocupa somente uma parte mui restrita da orla norte dos recifes. Ao mesmo tempo que, por um lado, o mar deposita a areia, por outro arrasta-a, de modo que a forma das ilhas está sujeita a constantes alterações. Foi esse o motivo que tornou necessária a construção dos novos faróis.
Mais do que quaisquer outras da costa moçambicana, as Ilhas Primeiras estão sob a influência das correntes do Canal de Moçambique - duas correntes derivadas da grande corrente equatorial, que o percorrem em toda a sua extensão em sentido inverso uma da outra. Devido a estas correntes, a flora de Madagáscar é francamente representada na costa de Moçambique e, reciprocamente, também a de Moçambique o é na de Madagáscar, ao passo que em ambas essas costas e nas ilhas do Canal há muitas espécies originárias da Austrália, das ilhas do Pacífico e de Ceilão, importadas a pouco e pouco, desde tempos imemoriais, sob a acção das correntes marítimas.
A ilha Silva, denominada Maiazo pelos indígenas, é a que fica situada mais a oeste. O baixo coralíneo em que assenta é de forma sensivelmente rectangular, prolongando-se em esporão para sudoeste; tem cerca de dois mil metros de comprimento e mil e quinhentos de largura. A parte emersa, ou seja, a ilha propriamente dita, não passa de um minúsculo banco de areia, raso com o mar e que as águas da preia-mar invadem em quase toda a sua extensão. Esse banco mede cerca de duzentos metros de comprimento por duzentos de largura e só é acessível na baixa-mar. A ilha Silva dista do continente vinte e dois quilómetros. É inteiramente desprovida de plantas. Contudo, o comandante Leote do Rego, escrevendo em 1904, diz que havia lá um começo de vegetação.
Não consegui saber a origem do nome Silva dado a esta ilha. O comandante William F. Owen, no relatório da sua viagem de 1822, cita-a com o nome de «Sylvas» ou «South Sand».
Seis quilómetros a este da ilha Silva encontra-se a ilha do Fogo, conhecida entre os indígenas por Malibono. O recife coralíneo desta ilha é de forma oblonga, irregular, de quatro e meio quilómetros de comprimento por dois e meio de largura, aproximadamente. A parte emersa tem quase mil metros de comprimento e quatrocentos de largura; a sua forma é sensivelmente rectangular. Um pouco para o extremo leste, existe um farol, de construção metálica, o qual estava a ser substituído, na ocasião da minha visita, por um de cimento armado. A sua maior altitude não excede cinco metros.
Conforme a tradição, o nome de Fogo, pelo qual esta ilha é conhecida, é muito antigo e deriva de nela se acenderem fogueiras para guia da navegação, nas épocas da passagem dos navios para a Índia ou de regresso.
A ilha do Fogo é quase toda revestida de vegetação arbórea e arbustiva. Possui no extremo este um portentoso maciço de casuarinas (Casuarina equisetifolia). Junto desse maciço sobressai uma amendoeira da Índia (Terminalia catappa), de larga copa, rodeada de outras amendoeiras mais pequenas, certamente suas descendentes. Como se sabe, a amendoeira da Índia é uma das espécies típicas da flora de correntes da África Oriental. Caesalpinia crista, pequeno arbusto originário da Índia, está ali representada por escasso número de exemplares; raras são também Sophora tomentosa e Hyphaene zanguebarica e essas mesmo de fraco porte.
A vegetação arbustiva e arbórea não excede seis metros de porte, exceptuando as casuarinas e as amendoeiras da Índia já citadas. O seu tipo fito-sociológico é laurissilva, formado essencialmente de maciços densos de Mimusops sp. e Diospyros mespiliformis. A vegetação sub-arbustiva e herbácea é pobre em quantidade e espécies. Dominam as espécies prostradas e rastejantes: Carpobrotus sp. é a que mais se nota; a vulgar Scaevola Plumieri aparece escassamente representada e somente num canto do extremo este, e o mesmo sucede com a «corda da praia», Ipomea pes-caprae. Qualquer destas espécies, tão comuns das praias moçambicanas, não apresenta nesta - como, de resto, nas outras ilhas deste grupo - carácter bem definido de disseminação. Por toda a parte, tanto no solo como sobre os arbustos, a vulgaríssima Cassytha filiformis, planta desprovida de raízes, estende os seus longos ramos, de cor amarela. Na praia, especialmente do lado sul, encontrei grande variedade de algas, arrojadas pelo mar. A abundância de algas parece ser maior nesta ilha do que nas outras.
A fauna terrestre da ilha do Fogo é extremamente pobre. Apenas lá encontrei uma só espécie de insectos (Cetonídeos) e duas de aranhas; em compensação, a ilha está infestada de ratos, dos quais os primitivos foram levados para lá, provavelmente, nas caixas dos materiais destinados à construção do farol, há muitos anos. A fauna marinha é muito rica. Nas rochas que o mar deixa a descoberto na vazante fica retida uma variada fauna de peixes, crustáceos equinodermes, moluscos, etc., da qual coleccionei alguns exemplares.
Em vários pontos, sobretudo no extremo oeste, há visíveis desabamentos de areias, provocados pela acção das vagas; num outro, vê-se um grande amontoado de rochas, parecendo que foram para ali arrastadas pela força de um ciclone. O extremo este prolonga-se uns duzentos metros sobre o baixo de coral, mas é despido de vegetação e coberto pelas marés vivas.
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