quinta-feira, março 22, 2012

I - A SOCIÉTÉ DU MADAL - (Fearnley, Bobone & Cie)

Crónica de João Rodrigues Sequeira, publicada em:
MOÇAMBIQUE - Documentário Trimestral
Nº 38 - Abril/Maio/Junho - 1944
Páginas 61 a 71



A SOCIÉTÉ DU MADAL é uma das grandes empresas zambezianas que têm realizado na Baixa Zambézia, distrito de Quelimane, uma muito notável obra de ocupação económica e de colonização em geral. Formaram-se essas  empresas - ou, como se diz na Zambézia, «as Companhias» - sobre a deliquescência do secular regime dos «prazos». E pode dizer-se que se formaram por um processo de absorção capitalista da pequena propriedade - os «prazos» - se bem que, realmente, o processo tivesse já começado antes delas, com a reunião de vários «prazos» em grande domínio na posse, ou arrendamento, de um só proprietário. Há que reconhecer que tal absorção foi um bem, uma vez que o objectivo capital dos «prazos» - povoamento, fixação de famílias à terra pela exploração agrícola, pequena ou média - falhara em consequência do absenteísmo dos «senhores de prazos». Assim, a Zambézia, onde, por meados do século XVII, se tentara lançar os fundamentos de uma colonização de povoamento, veio a tornar-se, nos finais do século XIX, um exemplo típico de colonização capitalista. Os resultados foram notáveis. A Zambézia acha-se hoje dotada de alguns dos maiores  e mais belos palmares do mundo e foi, até anos recentes, a única região de Moçambique que contava como um real valor económico, sendo hoje ainda um dos mais característicos núcleos da Colónia, pela população, costumes, trabalho e produção.

A Société du Madal estabeleceu-se na Colónia em 1903, montando os seus escritórios na então vila de S. Martinho de Quelimane, na rua que tem hoje o nome de João de Azevedo Coutinho. Instalou-se numa casa que tomou por compra ao conde de Vila Verde, de quem tomou também, por trespasse, o arrendamento dos «prazos» Madal, Tangalane e Cheringone.
Em 1904, a «Madal», como é comummente designada na Zambézia, comprou à Compagnie des Huileries et Savonneries de Moçambique as instalações que esta possuía na actual Rua D. Luiz Filipe e estabeleceu nelas, onde ainda hoje permanece, a sua feitoria. Também, nesse ano, tomou o arrendamento do «prazo» Maindo, por trespasse da firma Correia de Carvalho; e, em 1916, o do «prazo» Inhassunge, de que era arrendatária a firma Ribeiro & Ca, Limitada.
Inicialmente, a razão social era Société du Madal (Gonzaga Bovay & Cie), depois modificada para Société du Madal (Chr. Thams & Cie). Posteriormente, em 1926, adoptou nova designação (Société du Madal - Bobone, Bonnet & Cie), que em 1929, após o falecimento do conde de Bobone e do director geral em África, Theopile Bonnet, passou à actual designação, com a entrada para a firma do cidadão norueguês Thomas Fearnley. A sede social é em Mónaco.

Com os «prazos», cujo arrendamento adquiriu por trespasse, a Société du Madal iniciou a sua exploração agrícola com 70.000 coqueiros. Imprimiu grande desenvolvimento aos palmares, quer nos territórios dos «prazos», cujo arrendamento tomara, quer em novos terrenos que aforou. Assim, o número de palmeiras elevava-se, ao cabo de dez anos, em 1913, a 240.000. Em 1923 era de 500.000, em 1933 de 720.000 e em 1943 de 807.300. Presentemente, atinge cerca de 840.000.
(...) As plantações não ocupam uma área contínua. Distribuem-se pelas áreas da sede do concelho de Quelimane, do posto administrativo de Inhassunge, na margem direita do rio dos Bons Sinais, e do posto administrativo de Micaúne, no concelho do Chinde, margem esquerda do Zambeze. Estão repartidas por vinte e sete estações agrícolas, à testa de cada uma das quais se acha um empregado europeu, português, com um auxiliar, natural de Quelimane, assimilado. Por essas vinte e sete estações distribuem-se trinta e uma estufas para secagem e fabricação da copra, construídas em alvenaria, quarenta e sete bebedouros para gado, com as respectivas bombas, e onze tanques carracicidas. E em cada estação existem habitações dos empregados, várias dependências e armazéns.
De modo geral, todas as plantações foram precedidas de grandes trabalhos de derruba, que mobilizaram enormes contingentes de mão-de-obra indígena, visto como o emprego de gado era, então, impraticável pela abundância da tsé-tsé. Os regulamentos de trabalho indígena que então vigoravam, relacionados ainda com a antiga e tão interessante instituição secular dos «prazos», permitiam um recrutamento fácil e copioso de trabalhadores.
Embora os números que atrás se apresentam traduzam um apreciável e constante desenvolvimento das plantações, é de notar que a actividade da empresa atravessou fases de adversidade, sem as quais o progresso teria sido bem mais acentuado. Assim, por exemplo, a campanha da Grande Guerra exigiu a saída de milhares de trabalhadores que os arrendatários dos «prazos» tinham de fornecer para carregadores. Os trabalhos agrícolas foram reduzidos para um rigoroso mínimo e o restabelecimento da actividade normal, uma vez a campanha terminada, foi longo e difícil.
Em 1930, após anos de instabilidade dos mercados e das cotações, pronuncia-se, até quase o pânico, a queda da cotação da copra. Os palmares zambezianos foram, por isso, profundamente afectados. Trabalhos já em decurso e projectos de ampliação das explorações tiveram de ser suspensos e a actividade das empresas restringiu-se a simples trabalhos de conservação.

(continua...)
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sábado, fevereiro 18, 2012

MONTE ERREGO

MONTE ERREGO: - O distrito de Ile, tendo como sede a localidade de Errego, desenvolve-se na zona de transição para as regiões de alta altitude da Zambézia.

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quarta-feira, fevereiro 01, 2012

NAUELA: - o sonho decapitado por despacho

No último trimestre de 1971 tive oportunidade de conhecer Nauela. Na altura o engº agrónomo Frazoa, dirigente da Delegação de Quelimane do então ICM - Instituto dos Cereais de Moçambique, promoveu uma formação prática versando a defesa dos solos agrícolas contra a erosão. As tarefas tiveram a duração de uma semana e decorreram exactamente na envolvência daquela localidade. Assim, acompanhando o colega Guimarães, responsável pelo Posto de Recepção do ICM em Mocuba, pude participar na formação em apreço que primou por um assinalável aperfeiçoamento de conhecimentos naquele domínio, garantindo-me mesmo a sua abordagem, como tema complementar e enriquecedor, no relatório de estágio obrigatório relativo ao curso que finalizara entretanto.

Então, inexorável, o tempo acrescentara já uma dúzia de anos à apaixonante mas dramática gesta do cultivo do cafezeiro naquela região que, ao longo dos anos 50, sustentou um ciclo de vertiginosa expansão daquela rubiácea, anteriormente referenciada como cultura sem tradição em Moçambique, confinada a áreas marginais e com produções insignificantes, pese a particular visibilidade do "Coffea racemosa", espécie espontânea nas áreas arenosas a sul do Save.

Efectivamente, a partir de 1950 o marasmo reinante foi fortemente beliscado pelo inconformismo humano e nas alturas da Zambézia, onde o planalto se desfralda desafiante, a 700-800 metros de altitude abençoado por condições ambientais de eleição, despertaram sonhos arquitectando outros horizontes. Localidades como Gurué, Tacuane e Milange tornaram-se palco fértil para destemidos pioneiros, mas foi em Nauela que os mais intrépidos, refinando a audácia por veredas sinuosas, procuraram o rumo da perfeição. E em menos de 10 anos, sob o aconchego da serrania, a esperança de alguns emergiu pujante na generosa natureza, tendo como bandeira  a espécie "Coffea arabica", aprimorada com paixão nas courelas da Boa Esperança, exploração de Adrião de Faria Gonçalves, considerado o principal pioneiro da espécie na região.
Nauela, enriquecida por uma panorâmica esplendorosa, trajou então cenários de deleite que cativaram a vista e enamoraram a alma. Tarquínio Hall, em desvelado artigo, ajuda-nos a compreender aquela época.


  • Do trabalho intitulado NAUELA E A CULTURA DO CAFÉ «ARÁBICA» OU «ROBUSTA», na época publicado no Notícias, de Lourenço Marques, fragmento das considerações do agricultor da região Sr. Tarquínio Hall.

Nauela é o varandim da Alta Zambézia. Fincada nos píncaros da serra Inago, nada em redor impede a vista de se alargar na linha do horizonte senão a mancha vaga dos picos Namuli, a muitas léguas de distância. E só em dias de céu varrido; porque basta um farrapo de nuvem ou a mais ténue neblina para apagar a cabeça do monstro.


Estamos a perto de mil metros acima do nível do mar, com o corpo aliviado dum peso que desconhecíamos. Há uma força estranha que quer suspender-nos no espaço. E quanto mais essa força guinda, mais leve e fresco se apresenta o cérebro, mais ágil o raciocínio e mais nítida a imaginação. Apenas um zumbido antipático insensibiliza os tímpanos ao mundo dos sons. Mas não é a cantilena das cigarras nem o gorjeio da passarada que neste momento interessa tanto: o que prende e surpreende é a configuração do planalto que alastra na tangência dos raios visuais; o gume dos picos que circundam as alturas - o seu perfil amórfico, disforme, a evoluir em planos sequentes na linha quebrada das cumieiras; a confusão de traços oblíquos, de riscos horizontais (bordados, torcidos, mordidos) que decalcam o desenho em que se desenvolve a panorâmica.

Que cenário maravilhoso! Perto, tudo são ondulações irregulares que o cafeeiro sobe e desce em socalcos simétricos que as copas escondem e a erosão não vence; só longe figuram as primeiras manchas florestais e mais longe ainda a silhueta desbotada doutras tantas serranias. E que clima admirável para o colono europeu se dar todo inteiro ao torrão criamoso! É que faz frio neste planalto tinto de verde, com casas novas a branquejar nas rendas das aleurites e manadas preguiçosas mordiscando a relva fina: nos meses de Junho a Agosto há dias em que o mercúrio quase ronda o zero centígrado.

Aqui, sim, é verdadeira montanha, com ar fresco nos pulmões, nos poros, no próprio sangue! Às vezes os olhos cegam no encontro inesperado de verdadeiras chagas de luz; e, por instantes, regressam ao pensamento voltado à Pátria-Mãe imagens que havíamos esquecido no turbilhão de uma vida e que a lei da semelhança só agora aproximou: o Marão, com seus anfiteatros e seus vales sempre verdes; a Estrela e as suas neves; a Beira Alta, com suas serras e as suas aguarelas tão vivas como se tivessem saído agora mesmo da pena de Silva Gayo. Era tudo, afinal. Aos planaltos de Nauela apenas faltava o ornato dos monstros megalíticos que trilham a terra desnuda, sobem da Lagoa Comprida às Penhas Douradas e rebolam na vertente até junto de Manteigas; e ainda a azinheira, o pinheiro débil, atrofiado pela neve, a urze, o tojo e a giesta. Mas a configuração do solo era idêntica: uma massa imensa, enrugada, amarfanhada pelas mãos do Criador. Sim, aquelas terras falam da Metrópole tão eloquentemente que quase lhes escutamos a voz. Daí a profunda nostalgia que se nos apoderou da alma quando o pensamento iniciou o desbobinar retrospectivo do filme da saudade.

FONTE : - Boletim Geral do Ultramar, Nº 370, Vol. XXXII, 1956

Nos primórdios de 1959, nas zonas de montanha, o cultivo do cafeeiro em Moçambique rondava já uma área próxima dos 5.000 hectares, incidindo maioritáriamente na Alta Zambézia.
Nesse mesmo ano um talhante despacho do então Ministro do Ultramar determinou a extinção da Delegação da Junta de Exportação do Café, proclamando: - "Moçambique não podia produzir café, só chá, e Angola não podia produzir chá, só café".
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