À semelhança de muitos outros, também meus pais rumaram a África. Assim, Moçambique, no final da década de 40 do século passado, foi o destino para uma permanência por terras da Zambézia que perdurou até 1974, tendo esta vivência determinado o nascimento de todos os filhos em Quelimane.
Na época, as raras vindas a Portugal aconteceram apenas para gozo dos períodos de férias, por regra com um intervalo de frequência nunca inferior a quatro anos.
Até meados dos anos 60 as viagens foram invariavelmente efectuadas por via marítima, circunstância que possibilitou uma identidade com alguns dos paquetes que então operaram nessas rotas.
Ainda de tenra idade viajei no Pátria e no Império pelo que, naturalmente, não retenho qualquer registo desses acontecimentos. Entretanto, em 1958, e praticamente a concluir 7 anos, faria aquela que até ao presente se constitui como a minha última viagem marítima: - a bordo do paquete Moçambique rumei ao continente onde iria iniciar a minha formação escolar e o primeiro longo período de ausência da terra que me viu nascer.
As particularidades deste episódio relevam um sentimento especial que sempre me ligou a este navio, razão porque aqui o trago à memória dedicando-lhe, mesmo que negligenciado no tempo, o testemunho que passo a relatar:
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Praticamente há cerca de um mês que o menino viajava e, feliz, já considerava aquele belo navio como seu.
Quanto mar navegado e quantas terras observadas?! Ao certo não tinha mesmo uma noção exacta, mas isso pouco ou nada representava no seu íntimo.
Começava sim a estranhar a ausência dos coqueiros e dos aromas de copra em madrugadas de cacimbo. E, de quando em vez, interrogava-se: - será que lá no palmar o batuque continua a rufar?
Mas logo o pensamento regressava a bordo, saboreando então muitas das peripécias e brincadeiras que foram acontecendo nos últimos dias. E revia ainda aquela tarde em que a gente adulta organizou umas provas engraçadas para a miudagem participar – por umas horas, que protagonismo teve a pequenada!
Só ainda não se conformava com o desempenho desajeitado e pouco conseguido naquela complicada corrida de saco. Na verdade, pouco faltou para os trambolhões terem sido tantos quantos os saltos dados. E matutava porque é que as meninas foram tão exuberantemente ágeis e expeditas, acabando por ganhar a maioria das provas – hum, será que antes passaram grande parte do tempo só a treinar?
Na calmaria do oceano tudo parecia remanso e nesses momentos gostava de se aproximar da amurada contemplando, embevecido, o suave e gracioso deslizar do navio. Por vezes, também o mar mostrava-se zangado e, com tanta agitação das ondas, o Moçambique balançava, só que o menino não se afligia – tinha aprendido já a confiar cegamente no seu paquete. Por isso, não compreendeu lá muito bem aqueles exercícios de salvamento, com coletes e tudo, bem perto daqueles barquitos suspensos.
Logo nos primeiros dias ficara surpreendido com a grandeza da sala de refeições. Mas ouvir dos pais, diariamente, as mesmas recomendações sobre a postura e o comportamento a ter à mesa tinha-se tornado um aborrecimento. E, quanto ao pequeno-almoço, não morria muito de amor pelo petisco – faltava o bifezinho e a batata frita da sua terra. Como para grandes males grandes remédios, enchendo-se de ousadia, não descansou até ficar amigo do mestre cozinheiro. Então sim, as escapadelas à cozinha passaram a ritual que adorava cumprir e o mestre era mesmo um grande amigo.
E chegou o momento em que os pais avisaram: - chama o teu irmão para te ajudar a arrumar os brinquedos no saco. Amanhã vamos desembarcar em Lisboa.
Já a noite tomara forma quando luzes cintilando à distância denunciavam terra próxima. O navio, acercando-se lentamente, acabou por se imobilizar ao largo, numa baía feérica. Em poucos minutos muitas barcaças acostavam e, num ápice, o convés transformava-se em feira, tanta era a quinquilharia exposta. Outros barquitos vogavam em redor e a cada moeda lançada à água havia sempre alguém que mergulhava. Excitado, o menino rejubilava já com aquele cenário mas, tal como começara, todo o rebulício cessou em pouco tempo e o Moçambique zarpou, retomando a sua rota.
Antes de adormecer, quis então saber o nome daquela terra. Disseram-lhe que era a ilha da Madeira e que acabava de estar na baía do Funchal. E o menino sonhou com uma ilha encantada e sempre em festa.
Ao acordar, pela primeira vez sentia-se mal disposto. Uma turbulência estranha, quanto excessiva, ia provocando alguma inquietação, logo agora que estava prestes a chegar a Lisboa. Quando teve oportunidade, timidamente assomou ao convés e conteve-se, perplexo, ao observar que naquela manhã ensombrada um mar encapelado afoitava o navio. Num vaivém esquisito, tão depressa a proa se erguia como se afundava em demasia. Também céleres vagas chocavam violentamente no costado, até parecendo que queriam tomar de assalto o paquete.
Contrastando com a crispação latente nos rostos de alguns passageiros, junto à amurada vários elementos da tripulação não disfarçavam a sua descontracção e, jocosamente, até teatralizavam em jeito de rima:
Que tareia Moçambique
Com este danado mar
Ainda não foste a pique
Mas a onda quer te virar
E logo um, elevando mais a voz, profetizava: - olha que grande a que lá vem! É ela que o vai voltar…
Confuso com os antagonismos de espírito que presenciava, resolveu regressar ao camarote para desabafar com a mãe. Naquela escadaria, todos os dias trilhada, fez então a sua prova mais rápida – tropeçando, rolou pelos degraus num abrir e fechar de olhos!
Mas sempre houve dias com sorte – o menino não se magoara e na crescente acalmia irrompeu, como se fosse um grito guerreiro, aquele silvo forte, triunfal, que lhe era tão familiar e que já andava a imitar. Gaivotas no ar davam as boas-vindas e, serenamente, se bem que todo transpirado, o Moçambique navegava agora no Tejo, prestes a cumprir mais uma missão.
Ao sair do cais, contemplando o navio em repouso merecido, num aceno furtivo e com um olhar triste, o menino despediu-se para sempre do que já era o seu grande herói no mar.
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Em 1971, fiz a viagem Nacala - Lisboa, nesse paquete, regressámos a Nacala no paquete Angola.
ResponderEliminarNo dia 13/06/1967 embarquei no paquete Moçambique paramos na Madeira São Tomé Luanda Lobito Moçâmedes Benguela Cap Town e Durban. Em 15/08/1967 viajei no Niassa de L.M. para Porto Amélia Beira e Nacala. Fui para o distrito do Niassa primeiro de comboio e depois em colunas militares (camiões basculantes) Em junho de 1969 cheguei a Nacala onde estive 22 dias á espera do navio Uíje para regressar a L.M. depois embarquei no Niassa a 19/09/1969 para Portugal para resumir direi que a minha viagem no paquete moçambique foi muito boa.
ResponderEliminarEm 1962 regressei a Portugal nele ,Moçambique ,Lourenço Marques ,gostei tinha eu 18 anos !
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