terça-feira, setembro 12, 2006

SOBRE O PAQUETE MOÇAMBIQUE - ( Parte II )

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Entretanto, pesquisando na INTERNET, algumas referências alusivas a este paquete foram encontradas. A seguir identifico as descrições que considero mais sugestivas:

  • Em MEMÓRIAS 1, Telémaco A. Pissarro, evocando a viagem do início do seu desígnio africano por terras de Angola, assim descreve:
    (…)
    Embarquei em Junho de 1951 no navio Moçambique rumo ao Lobito. A terceira suplementar era no porão abaixo da linha de água junto das viaturas dos passageiros, separados apenas por um separador de rede de arame forte. Dormíamos em camaratas e beliches. Logo à saída da barra o mar estava com muita ondulação e o pessoal enjoou vomitando. Na camarata havia um cheiro a vómito desagradável. Um angolano preto que estava por baixo da minha cama até chegou a vomitar sangue.
    Chegados à Madeira, saí para apanhar um pouco de ar fresco e tomar algo que me confortasse. Quando coloquei os pés em terra pareceu-me que ela se movia debaixo de mim. Foi uma sensação desagradável mas passageira. Tomei um chá numa esplanada e voltei para bordo um pouco mais confortado. Daí para a frente o mar esteve sempre calmo. Passou o enjoo e, por isso, tive oportunidade de contemplar e apreciar a sua beleza que nunca tinha visto tão de perto. Fiquei fascinado mas mal sabia eu que alguns anos mais tarde iria conhecer tão de perto o que ele tinha de deslumbrante no seu seio, praticando caça e fotografia submarina!
    O barco fez escala em S. Tomé ficando ao largo. Fomos a terra num barcaça. Foi a primeira vez que tomei contacto com gente africana. Francamente gostei. Quando regressámos a bordo trazia um cacho de bananas que tinha comprado mas ainda estavam muito verdes e não fazia sequer ideia de que não amadureceriam quando chegasse ao Lobito. Não amadureceram mesmo e ficaram para os amigos que seguiam para Moçambique. (...)

    Outro registo curioso, se bem que desagradável, evoca uma associação atribuída ao navio na difusão da pandemia da gripe asiática, ocorrida em 1957. Na enciclopédia livre WIKIPÉDIA encontra-se assinalado:
    (…)
    A epidemia de 1957 entrou em Portugal por via marítima, através dos passageiros do navio Moçambique, vindo de portos africanos, onde grassava a gripe. Embora os tripulantes tivessem desembarcado no dia 7 de Agosto em Lisboa, foi em fins de Setembro que a doença adquiriu carácter epidémico, atingindo o seu máximo em Outubro. (...)

    Por fim, sendo certo que este paquete integrou a frota da antiga Companhia Nacional de Navegação e o seu ciclo marítimo decorrido no período de 1949 a 1972, a descrição abaixo que encerra este trabalho, igualmente de contornos dramáticos, faculta um implícito conhecimento de que, afinal, o Moçambique teve um antecessor.
    Assim, em MEMÓRIAS ULTRAMARINAS, de Virgínia Cabral Fernandes, nos parágrafos que respigo pode ler-se:

    (…)
    Quero ainda falar da viagem anterior à última da qual já falei. Foi no fim da Primeira Grande Guerra, de 1914 a 1918. Foi uma viagem terrível. Partimos da Ilha de Moçambique, no paquete Moçambique declarara-se a pneumónica e todos os dias morriam passageiros e tripulantes. Minha mãe contava que já não havia pessoal nem cozinheiro. Era um «salve-se quem puder». Os passageiros tinham de fazer a própria comida. Éramos, na altura, oito irmãos. Minha mãe fechou-nos no camarote e levava lá a comida que confeccionava na cozinha. Já não se faziam caixões nem cerimónias fúnebres. Os corpos eram lançados ao mar, embrulhados em lençóis.
    Quando passámos a Ilha da Madeira o comandante reuniu todos os passageiros mais categorizados que iam a bordo para decidir a rota a seguir pelo barco: irem pelo caminho mais longo, para fugir ao submarino alemão que estava em luta com o caça-minas da marinha portuguesa, o Augusto de Castilho, comandado pelo valente oficial de marinha português Carvalho de Araújo, que morreu em combate, tendo sido substituído, pelo segundo-comandante, tenente Ferraz, outro valente. Conheci este oficial, já almirante, quando esteve chefe do departamento marítimo em Luanda. Foi decidido seguirem pelo caminho mais curto e atravessar em velocidade a zona de combate, pois a situação a bordo, a morrer tanta gente, era insustentável.
    Chegados a Lisboa, onde já grassava a pneumónica, o delegado de saúde ordenou que o barco ficasse de quarentena. Quando entrou a bordo foi recebido à batatada pelos passageiros e ninguém obedeceu à ordem, desembarcando todos e correndo para as famílias, que os esperavam no cais. Minha mãe contava que um senhor que entrara na Ilha de Moçambique, com a mulher e três filhos, chegou a Lisboa sozinho. O infeliz agarrou-se às mãos de minha mãe e, a chorar, felicitou-a por ter chegado ao fim da viagem com o marido e os filhos todos. (...)
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1 COMENTÁRIO(S):

  1. Os Testemunhos escritos desta SENHORA,merecem uma divulgação mais cuidada e ampla,uma vez que o faz exemplarmente.Quer pela forma coloquial que usa,como pelas rigorosas vivências que revela.
    Tambem as suas apreciações,não padecem de excessos panfletários,quase sempre presentes,nestas obras.

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